Cerca
A chuva caía gelada e fina e meu pai ajeitava os mourões da cerca. Dizia a sentença transitada em julgado que ele tinha direito em avançar doze metros ao sul. Da cozinha, no fogão a lenha, vinha dançando um cheiro de feijão saboroso. Dentro de casa o cão latia intermitentemente para as folhas que farfalhavam vitórias na mangueira. A lide durara mais de vinte anos por causa do usucapião; papai sempre disse que a metragem estava errada e que houve avanço de terra na calada da noite. Seria trabalho para dias, mais de cento e vinte e três metros de cerca, e chuva alguma afastaria o desejo de justiça instaurado. Quando a sineta avisasse que o almoço estava pronto, provavelmente papai demoraria a entrar, mas de forma alguma perderia o almoço de domingo. Justo e sagrado, duas coisas que não faltavam em casa.
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