Meu pai é
impetuoso
Meu pai tem
desses rompantes e sem consultar consultório e relógio, temperatura ou estado e
ânimo geral da família, toma decisões inexplicáveis. Apenas comunicar que esta
saindo, e se alguém pergunta pra onde, ele responde:
- Pra patente!
Menos pra mamãe,
é claro.
Quer dizer que
ele está brabo com alguma coisa ,
chateado, que não pode cumprir algum compromisso, que deixou alguém na mão, que
faltou dinheiro pro leite, pra luz, pro pão. Meu pai é de tomar partido e
quando fica em cima do muro, se sente um fracassado, um imbecil, um idiota.
Minha mãe o
conhece bem, são casados há vinte anos, ao que me parece. Nestes momentos de
aflição, em que ele coça os parcos cabelos que valentemente insistem no coco
redondinho, minha mãe o olha com um carinho invejável. Quando eu crescer quero
ter uma mulher igual a minha mãe. Ela tem um olhar consolador com ele, e no
final diz:
- Calma,
benzinho.
Meu pai, estes
dias, vendeu o carro. Como assim vendeu o carro? O vermelhinho, todo limpinho,
aquele que ele ensebava todos os finais de semana? Sim, ele vendeu, e pelo
preço abaixo do mercado, sem consultar ninguém. Depois chegou em casa, colocou
o dinheiro em cima da mesa amarela de fórmica da cozinha e disse:
- Vamos botar as
contas em dia e seguir em frente.
E lá se foi o
carrinho do meu pai e lá veio o dinheirinho pra resolver as pendengas
monetárias familiares. E ele ainda frisou:
- A primeira que
vai receber é a Tia Zilda. Eu durmo e acordo pensando nela, deus me livre de
tanto mal! Onde eu estava com a cabeça quando pedi o dinheiro pra ela.
A professora me
disse, quando eu contei esta história, que meu pai é impetuoso. Fui no
dicionário e acho que meu pai é burro e teimoso. Mas não posso dizer isso pra
ela, mesmo porque é ele quem compra o meu sucrílios e achocolatado. E depois
porque aprendi que o burro não é burro coisa
alguma.
O carro do meu
pai vai deixar saudades, sabe-se lá quando ele vai poder comprar outro.
Sempre vou lembrar dos passeios que fazíamos à praia, domingo, e da hora do
almoço: o frango assado da mamãe junto ao fuscão, protegido do nordestão
impiedoso.