MEU PAI É FAZEDOR DE CATRACAS
Meu pai ganha a vida fazendo catracas.
Perguntei, porque a professora nos mandou
perguntar como tema de casa, que trabalho nossos pais faziam. Catraca, ele
respondeu. Que tipo de catraca ele fazia e o que era catraca? Na hora meu pai
largou um suspiro que ele só usa nos momentos de menos afeto, mas depois, com
calma, tomando o chimarrão perto da árvore que dá uva, foi me explicando o que
era uma catraca, para que servia. Guardei que a tal catraca era uma máquina
borboletada que serve pra contar quantas coisa s
passavam para um certo lugar. Podia ser gente, boi, e outras coisa s. Disse que tinham as cromadas e as comuns, e
que no momento a que mais saíam da fábrica eram as de ônibus, de contar gente.
Construí a imagem de alguém pagando a passagem para o cobrador e o som de
crê-cré-cré, e me veio a ideia de alguém bem magro, passando e sentando no
banco, abrindo a pasta, procurando um bloco de papel e uma caneta, fazendo
anotações. Sou bom nesse negócio de imaginar. Explicações que minha professora
certamente aprovaria.
Fiquei feliz com tudo isso e com a ideia do meu
pai tem um emprego, chegar em casa à noite, perguntar pra mãe o que tinha pra
jantar, como foi nosso dia e planejar nosso futuro, aos pouquinhos, sem pressa,
degustando alface lisa que ele dizia
adorar por ser menor amarga que a crespa.
Mas toda simples felicidade tem um quê de dúvida
quando começa a acabar e um dia voltei a falar com o meu pai sobre a fabricação
de catracas. Eu tinha interesse em ser um catraqueiro quando crescer. E aí meu
pai me deixou em dúvidas na minha futura profissão.
- Vai estudar! Disse.
Pedi pra visitar a fábrica e ele me veio com a
palavra ilusão.
- Não te ilude, eu não faço as catracas, piá.
Não sou dono delas.
Meu pai me explicou que o seu trabalho dentro da
fábrica era apenas testar as catracas. Ele as girava e via se o numerador
funcionava corretamente. Ele disse que fazia isso o dia inteiro e que lhe doía
a cabeça por ser tão estúpido aquele trabalho.
- Pai, e o que o senhor gostaria de fazer?
- Eu gostaria de ser afiador de anzóis. E depois
vendê-los aos sonhadores pescadores.
Às vezes penso que meu pai não diz coisa com coisa ,
que o meu pai é uma criança grande, e parece que as ideias não andam muito bem
na sua cabeça. Mas pode ser besteira minha. Todos os sábados à tarde ele pega a
gente e nos leva pro parque pra gente brincar. E no percurso, quando a gente passa na catraca
do ônibus, ele diz, orgulhoso:
- Essa fui eu que fiz!