quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

MEU PAI É FAZEDOR DE CATRACAS

MEU PAI É FAZEDOR DE CATRACAS

Meu pai ganha a vida fazendo catracas.
Perguntei, porque a professora nos mandou perguntar como tema de casa, que trabalho nossos pais faziam. Catraca, ele respondeu. Que tipo de catraca ele fazia e o que era catraca? Na hora meu pai largou um suspiro que ele só usa nos momentos de menos afeto, mas depois, com calma, tomando o chimarrão perto da árvore que dá uva, foi me explicando o que era uma catraca, para que servia. Guardei que a tal catraca era uma máquina borboletada que serve pra contar quantas coisas passavam para um certo lugar. Podia ser gente, boi, e outras coisas. Disse que tinham as cromadas e as comuns, e que no momento a que mais saíam da fábrica eram as de ônibus, de contar gente. Construí a imagem de alguém pagando a passagem para o cobrador e o som de crê-cré-cré, e me veio a ideia de alguém bem magro, passando e sentando no banco, abrindo a pasta, procurando um bloco de papel e uma caneta, fazendo anotações. Sou bom nesse negócio de imaginar. Explicações que minha professora certamente aprovaria.

Fiquei feliz com tudo isso e com a ideia do meu pai tem um emprego, chegar em casa à noite, perguntar pra mãe o que tinha pra jantar, como foi nosso dia e planejar nosso futuro, aos pouquinhos, sem pressa, degustando alface lisa que ele dizia adorar por ser menor amarga que a crespa.

Mas toda simples felicidade tem um quê de dúvida quando começa a acabar e um dia voltei a falar com o meu pai sobre a fabricação de catracas. Eu tinha interesse em ser um catraqueiro quando crescer. E aí meu pai me deixou em dúvidas na minha futura profissão.
- Vai estudar! Disse.
Pedi pra visitar a fábrica e ele me veio com a palavra ilusão.
- Não te ilude, eu não faço as catracas, piá. Não sou dono delas.
Meu pai me explicou que o seu trabalho dentro da fábrica era apenas testar as catracas. Ele as girava e via se o numerador funcionava corretamente. Ele disse que fazia isso o dia inteiro e que lhe doía a cabeça por ser tão estúpido aquele trabalho.
- Pai, e o que o senhor gostaria de fazer?
- Eu gostaria de ser afiador de anzóis. E depois vendê-los aos sonhadores pescadores.
Às vezes penso que meu pai não diz coisa com coisa, que o meu pai é uma criança grande, e parece que as ideias não andam muito bem na sua cabeça. Mas pode ser besteira minha. Todos os sábados à tarde ele pega a gente e nos leva pro parque pra gente brincar. E  no percurso, quando a gente passa na catraca do ônibus, ele diz, orgulhoso:

- Essa fui eu que fiz!

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...