Vendo Cadeiras
Maria não vendeu nenhuma cadeira naquela manhã. Também pudera, aquilo não era coisa para vender. No máximo lenha pra fogueira de São João. Nem de graça o conterrâneo queria, o povo é inteligente para essas coisas, capaz de quebrar na primeira sentada. Dentro do brique tinha coisa pior. Ventilador queimado, talheres imundos, guarda-roupas sem portas, lonas plásticas usadas, bonecas sem cabeça, guarda-chuva sem cabo, filtro de água furado, cama sem perna, lustres diversos, vinis, fitas cassetes, livros, revistas, lápis, alfinetes, dedais, linhas, algerosas, geladeiras inúteis. E muitas outras porcarias que não valiam nada.
Maria ficou na frente da loja a manhã inteira, esperou o cliente que não veio. O café tomou, e comeu um bom pedaço de pão. A menina do acesso três, que poderia ser sua netinha se tivesse casado, tido filhos, lhe trazia sempre alguma coisa para comer. Uma menina boazinha.
- Nada? Não vendeu nada?
Maria não vendeu as cadeiras mas ficara feliz pelo movimento das pessoas na calçada. Todas bailando pelo sopro suave que movimenta as coisas de Deus. Esses transeuntes, as folhas das árvores, os pássaros aqui e acolá, cachorros e gatos, nuvens, lhe oxigenavam a vida.
Passou um velho conhecido, morador do beco, perguntou:
- Então, Maria, quando casas comigo?
Maria respondeu que quando vendesse duas cadeiras, e se riu muito faceira, coçando as pernas tomadas pelo estrago dos mosquitos.
A vida era boa, as coisas iam ocorrendo. Um dia encontraria um comprador, um coração, um bom café com leite e pão, uma saudade boa. Não reclamava, viver era mais que suficiente. Viver era bom demais.