sexta-feira, 26 de abril de 2013

Bonifácio – Mais um Passo





Bonifácio – Mais um Passo


                                                                                                              Para Oscar Daniel Branchi



Bonifácio, naquele e nos próximos três dias, não teria aula. Abriu os olhos às oito horas da manhã, atrasado se fosse para o colégio. Mas não haveria aula. O sindicato paralisaria as atividades por três dias em protesto aos baixos salários e a falta de diálogo por parte do governo.


Inerte na cama, Bonifácio, dezesseis anos, pensava na possibilidade de ficar a manhã inteira ali, olhando para o forro de lambri. Forte o cheiro do café vinha da cozinha, convidava, mas ele hesitava no próximo passo. Bonifácio pensava na possibilidade de nunca mais sair dali, do quarto, do isolamento.


Bonifácio percebia o tigre acorrentado que fazia a cabeça explodir em idéias confusas. Tudo parecia errado, tudo. Tudo era uma contradição, tudo. Bonifácio não concordava com nada. No colégio ele dialogava com dois ou três colegas, falava com outros tantos; em casa com sua cadela da raça fox, com ninguém mais e com mais nada. Deus estava nas alturas, inatingível, incompreensível. E as coisas mais urgentes, as coisas imprescindíveis, ninguém queria falar. Abatimento, Bonifácio abatido. Um tiro na caça.


Aos doze anos Bonifácio perdera o pai para uma financeira internacional estabelecida em Bancoc, nunca mais tivera notícias dele, fim. O que mais doía eram os diálogos não realizados, as perguntas não feitas, o abraço não dado, as brigas não iniciadas. Isso doía fundo, deixava uma brecha imensa, a falta de resposta, vazio existencial.


Nos próximos três dias Bonifácio não teria aula. Mas, súbito, levantou-se. O pequeno fox arranhava a porta, queria passear.


E ele levantou-se e deu o primeiro passo.




sexta-feira, 12 de abril de 2013

Bonifácio: A Amizade

Bonifácio: A Amizade

Na infância de Bonifácio, Jorge fora o seu melhor amigo. Era uma daquelas amizades construídas na brincadeira, na descoberta, dia após dia. Estudavam na mesma sala de aula, emprestavam apontadores e elaboravam seus trabalhos juntos. Quando zebrava alguma coisa, socorriam-se. Quando o assunto era meninas, trocavam informações sigilosamente apressadas.

 
Futebol era brincadeira número um. A bola era tipo dente de leite, furada, que quando pegava na coxa dava um chupão desrespeitoso. Naqueles frios do sul, onde moravam, uma bolada seca tirava lágrimas dos olhos, mas, valente jogadores, seguiam o chute a chute que ia até cinco gols. Chute a chute consiste num jogo de quadra inteira de futebol de salão, de um lado da quadra até a outra. Matando a bola no peito ou na cabeça, pode-se chutar do meio do campo, facilitando a vida e aumentando as possibilidades. Aquelas partidas duravam tardes e manhãs, Bonifácio e Jorge entregavam-se com paixão à rinha, a existência se explicava no gol a gol.

Outra brincadeira recorrente era de brummm. Carentes, cada um tinha um carrinho. Na praça, desenhavam no areão pistas intermináveis, com postos de gasolina, casas, estacionamentos, escolas. E inventavam diálogos inacabáveis quando se encontravam propositalmente no meio do caminho. E ainda falavam sobre as suas esposas, os filhos, a escola, coisas sérias, pois. A vida ia bela e cheia de pequenas aventuras.

Acontece que Jorge não apareceu na aula na segunda-feira. Nem na terça e aí foi a semana inteira. Na sexta-feira da mesma semana, Bonifácio foi à casa do amigo. Quem lhe atendeu foi a sua Vovó. Disse-lhe que o neto tinha sido internado às pressas no hospital, doença malvada que não lhe daria chance de rebote. Saiu dali inseguro, entristecido e inconformado. Nele choveu frio e o vento apagaria as pistas dos carrinhos desenhadas na areia da praça.

Bonifácio, depois da não volta do amigo, seguiu a vida amargando uma derrota inconcebível, sem revanche ou prorrogação. No chute a chute, jogava sozinho nos dois lados da quadra; na pista de corrida, Jorge era a mão esquerda que guiava o carro azul do amigo. Bonifácio levaria mais de uma vida para compreender a falta que a amizade do Jorge lhe faria. Na hora de dormir, o menino conversava com Jorge e agradecia à vida por lhe ter ensinado desde cedo o valor daquela grandeza. A grandeza da verdadeira amizade.

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...