Bonifácio – Mais um Passo
Para Oscar Daniel Branchi
Bonifácio, naquele e nos próximos três dias, não teria aula. Abriu os olhos às oito horas da manhã, atrasado se fosse para o colégio. Mas não haveria aula. O sindicato paralisaria as atividades por três dias em protesto aos baixos salários e a falta de diálogo por parte do governo.
Inerte na cama, Bonifácio, dezesseis anos, pensava na possibilidade de ficar a manhã inteira ali, olhando para o forro de lambri. Forte o cheiro do café vinha da cozinha, convidava, mas ele hesitava no próximo passo. Bonifácio pensava na possibilidade de nunca mais sair dali, do quarto, do isolamento.
Bonifácio percebia o tigre acorrentado que fazia a cabeça explodir em idéias confusas. Tudo parecia errado, tudo. Tudo era uma contradição, tudo. Bonifácio não concordava com nada. No colégio ele dialogava com dois ou três colegas, falava com outros tantos; em casa com sua cadela da raça fox, com ninguém mais e com mais nada. Deus estava nas alturas, inatingível, incompreensível. E as coisas mais urgentes, as coisas imprescindíveis, ninguém queria falar. Abatimento, Bonifácio abatido. Um tiro na caça.
Aos doze anos Bonifácio perdera o pai para uma financeira internacional estabelecida em Bancoc, nunca mais tivera notícias dele, fim. O que mais doía eram os diálogos não realizados, as perguntas não feitas, o abraço não dado, as brigas não iniciadas. Isso doía fundo, deixava uma brecha imensa, a falta de resposta, vazio existencial.
Nos próximos três dias Bonifácio não teria aula. Mas, súbito, levantou-se. O pequeno fox arranhava a porta, queria passear.
E ele levantou-se e deu o primeiro passo.