Meu Pai e o Chá de Macela
Meu pai seria Secretário se... Meu
pai foi convidado para trabalhar no cargo de Secretário da Secretaria de Bem Estar
Social da Prefeitura. A notícia trouxe alívio e felicidade lá em casa. Que alegria! Que
orgulho! E a volta do crédito no açougue era dada com certa por todos. Minha mãe
lhe disse que finalmente seus predicativos funcionais como funcionário público
de carreira tinham sido reconhecidos pela corte eleita recentemente.
Para a posse, comprou um terno
cinza escuro no brechó da dona Almerinda, mandou pendurar até o dia trinta. Meu
pai, por natureza de mistérios congênitos, é um sujeito desengonçado, descoordenado
motoramente, e eu, piá, mesmo nada
entendendo de estilo de roupas, ponho fé que dona Almerinda lhe vendeu um terno
dois números maiores do que o dele. Ficou estranho, elefante. Mamãe até tentou
convencê-lo de que o defunto era maior, mas não teve jeito, na frente do
espelho ele dizia que o paletó lhe dava imponência e suscitava respeito alheio,
vá lá decifrar o que o futuro secretário queria dizer.
Acontece que meu pai não durou
nem o tempo da nomeação, nem o tempo de mostrar o nome impresso no diário da
prefeitura ao Telles, agiota voraz e carniceiro. Meu pai não durou nem até a
confecção do carimbo de Secretário. E foi assim:
Chegando segunda-feira, sentou-se
à mesa de jacarandá e convocou os subordinados para a primeira reunião de
equipe. Dentre vários assuntos tratados, elegeu como prioridade o problema dos
mendigos e desocupados que, segundo a opinião pública, incomodavam a população,
seja sujando a cidade, seja promovendo arruaças, bebedeiras, badernas,
barulhos. Findada a reunião discou para a primeira ferragem da lista telefônica
e encomendou cinco mil metros de corda, das grossas e resistentes. Branca, tinha
que ser branca.
Quando a transportadora despachou
no almoxarifado o rolo de cordas, logo o encarregado chamou o secretário para
retirar a compra. E foi logo perguntando para que a autoridade precisa va daquilo.
- Vou mandar entregar dois metros
para cada mendigo e vagabundo da cidade.
- Mas pra quê, vossa excelência?
- Para que se enforquem, ora!
Papai naquele mesmo dia foi
desconstituído do cargo, por bilhete escrito a mão, e readaptado para a
secretaria de limpeza urbana. Vazou rapidamente para o prefeito seu
projeto-mater de acabar com os mendigos e vadios da cidade pelo enforcamento
voluntário.
Em casa, meu pai mereceu tratos
de doente, a base de chá de macela, que era o que tínhamos de remédio. E tudo
sem alardes, como convinha a ocasião.
Dona Almerinda não aceitou o
terno de volta e o dia trinta se aproximava com uma velocidade impressionante.