segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Dona Lúcia

Dona Lúcia


- Entra menina!

Disse para a cachorrinha que empacava na soleira da casa, que entrasse de uma vez. Que todo dia, depois dos passeios, era a mesma historinha, e que a paciência acabava um dia, viu! Mamãe tem mais o que fazer.

Dona Lúcia é uma daquelas senhoras que se apega aos bichos e as plantas porque há muito tempo perdeu a esperança nas pessoas, suas atitudes suspeitas, temporárias, questionáveis. Na sua casa coabitam uns dez animais: cinco cachorras, dois cachorros, uma gata e um gato; e um sabiá cego que achara na praça, em frente a sua casa, piando. E plantas e folhagens e macegas muitas. E, ah, tinha um monte de bugigangas imprestáveis que recolhia da rua, também. Quem sabe um dia precisasse, quem sabe.

Disse que é por isso que sou assim, tu não entendes, mas a vida é uma grande confusão e que ninguém acredita mais em nada que é bom. Disse, entra de uma vez, tenho que passear com os outros e ainda molhar as plantas. Disse que a avenca que era tão lindinha está feia e a samambaia está fora de moda, mas um dia tudo o que era bonitão chique tinha pendurada na sala, mas depois, quando o povo começou a usar nas suas casinhas, ficou brega e aí as folhagens foram caindo de moda e voltou o tapete persa que nunca caiu do gosto popular.

Disse que preferia viver assim, falando com os bichos e verde, reclamando e já se desculpando porque tinha parado de acreditar nas coisas todas, essas interligações infinitas. Que o cabelo nunca ganharia tinta, nené, que batom não passaria, nunu, e que não se importava com que os outros pensassem, que não se aborrecia com julgamento e sentenças tolas, e que Deus deveria estar muito envergonhado da criação.

Importava-se com os cachorros e gatos abandonados, e com as plantas e folhagens que davam uma alegria enorme para os seus olhos e sua vida.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Uma Dor Nas Costas

Uma dor nas costas

Eu não vinha me aguentando em pé. Não porque tivesse bebido, nem porque tenha trabalhado demais, nem por coisas do coração. Nada disso. Tratava-se apenas de uma dor nas costas, - dizem que é lombar, que me deixava e deixa desequilibrado, meio torto, desanimado. Ainda tenho uma dificuldade forte de sair da cama e encarar os primeiros passos.

Nessas horas e noutras muitas também, para passar meu desconforto com as coisas do mundo, lembro de uma senhora que encontrei no estacionamento do supermercado. Fazia um calor de quarenta graus, o asfalto de piche colaborava, e deparei-me com aquela velhinha que vinha pela casa dos noventa anos, caminhando com apoio da bengala, numa lentidão confiante, como se tivesse um objetivo a alcançar, um pódio. Eu, que vinha com minha dorzinha zélecozéco, apequenei-me num comparativo vexatório. Não me contive, e educadamente perguntei:

- Boa tarde! De onde vens, para onde vais, vovozinha?

- Olá, meu netinho. Faço sempre minha caminhadinha como forma de tapear o futuro certo, o que dali vem adiante, firme no propósito já traçado no início.

Tenho tido, desde sempre que a memória alcança, essa dor nas costa, na lombar, dizem!, mas desde então ela não me vence porque lembro daquela senhora que a passos de formiga faceira ia trilhando e enganando sorrateiramente algum encontro inapelável. Agarra-se à vida é um grande negócio porque é tão bom viver.

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...