quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A Formiguinha Exemplar

A Formiguinha Exemplar


Era uma vez uma formiguinha. Desesperada vivia porque estava socialmente inútil. E então conseguiu emprego de limpadora no serviço público, através de uma prestadora de serviços – dos serviços que os servidores não querem fazer. Mais precisamente como faxineira. No começo, a formiguinha foi obstinada e aprendeu tudo com muita facilidade. Limpava o Palácio como se o Rei fosse o seu melhor amigo. A chefe da formiguinha, que já limpava a Fortaleza há mais de dez anos, cobrava-lhe cada dia mais empenho, e a formiguinha se esmerava e buscava a perfeição na suas tarefas. Passado meio ano, a forminha tornou-se uma funcionária padrão, sua chefe maior a usava como exemplo, mas sempre às escondidas, secretamente. Dizia às outras formiguinhas:
- Olha lá aquela formiguinha. Ela é um exemplo de auxiliar de limpeza. Chega sempre antes do horário de trabalho, sai depois. Não reclama de nada, nem do salário. Tenham ela como exemplo.
Era uma vez outra formiguinha. Desempregada mas sem grilos na vida. Como não conseguiu emprego melhor, resolveu aceitar o emprego de limpeza no mesmo Palácio da primeira formiguinha. Esta formiguinha tinha noção de espaço, tinha conhecimento em geografia, estudou até o segundo ciclo, foi muito amada pelo pai e mãe, não tinha doença grave e era de uma índole invejável.
Depois de uma semana, verificaram que a nova formiguinha não era um exemplo de faxineira que o Ministério almejava. A nova formiguinha tinha a percepção de que o emprego era ruim, de que o trabalho que executava era desqualificado, de que o salário que iria receber era péssimo, de que sua chefe era submissa. Todos da limpeza não passavam de serviçais dos reizinhos que saltitavam pela república dos contentes e que não passavam de enganadores do contribuinte.
A faxineira chefe, não satisfeita com a ineficiência e a falta de noção laboral da formiguinha nova, marcou uma reunião entre ela, a formiguinha exemplar e a formiguinha rebelde. Disse a chefe que a partir daquele dia quem mandava na rebelde formiguinha era a formiguinha exemplar.
No primeiro dia após a reunião, a formiguinha se manteve rebelde e não limpou nada bem o Castelo dos privilegiados. A atitude desencadeou na formiguinha exemplar um plano de estratégia bem persuasivo. Depois do final do expediente, a formiguinha a esperou do outro lado da praça, perto do Castelo, perto da Igreja, perto do Banco Central. Quando a formiguinha rebelde passou, ela a agarrou pelas antenas e sem dizer uma palavra deu uma surra exemplar na formiguinha rebelde. Vendo-a vencida, na chão, a exemplar formiguinha partiu. Não disse uma única palavra, não se comunicou.
No outro dia, a formiguinha rebelde chegou com o olho roxo e cheia de hematomas pelo corpo e com uma antena quebrada. Indagada pelas outras colegas de limpeza e infortúnio, não falou nada sobre a surra.
E o que se viu depois foi uma formiguinha rebelde totalmente serviçal, e por conseqüência um exemplo para as outras formiguinhas faxineiras. Bastava apenas um ordem da formiguinha exemplar que a formiguinha rebelde executava com presteza e maestria o trato com os cristais. Antes de executar a tarefa, ela ainda respondia:
- Tá bom!

E assim termina a história.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Passarinho da Praça

O Passarinho da Praça

Parte da minha existência se reduz a observar a praça. Não é muito bonita nem bem cuidada, mas tiro dela o melhor que posso - para ela e para mim. Sentado junto a minha improdutiva mesa de trabalho, passam papeis com números apagados e sem graça, sapatos contentes e de todas as cores, sorriso ortodônticos em rostos inanimados. E penso isso compreender e aceitar. As coisas são assim, desse jeito.
Giro a cadeira e fico olhando para praça enquanto ela me engraça com tudo que passa, nela e em mim. Verdes e marrons, alguns lilases e amarelos. Árvores me deixam feliz, primavera me deixa esperançoso, saibro me leva por caminhos onde há princesas e castelos, reis e rainhas, labirintos tortuosamente lindos. Tenho um amor por praças, coisa que me laça e nunca passa de tanto contentamento.
Gosto demais de passarinhos. Gosto empoleirados, no chão, voando, procurando comida. Gosto piando ou cantando, e gosto quieto, olhando. Alegro-me muito com os casais nos banco, os beijos, os abraços, gosto também. Mas muito mais de passarinhos.
Na minha praça há passarinhos por demais estranhos. Um deles é um homem vestido de mulher, que com suas trouxas e sacolas zela por todo esse encanto que vejo. Esse passarinho é assustado, indefeso, vive frenético, um cuidar elétrico para todos os lados (igual a passarinho) a procura do inimigo que pode a qualquer momento levar o seu encanto e sonhos. Todos eles de uma vez.
Esse passarinho passa o dia naquele trabalho, fala sem cessar, gesticula o tempo todo, lê para o público transeunte que atento atenta a estranha criatura. Dá espetáculo ao mesmo tempo em que assusta.

Fico observando a praça, cuido do meu passarinho. À noite não sei aonde vai, mas rezo para que não se perca de jeito algum. Preciso da praça e do passarinho da praça, que canta pra mim. Quando me falta um alento maior que os sapatos coloridos, viro a cadeira e procuro as árvores, o saibro, meus passarinhos.

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...