terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Bonifácio – Precisa-se de Costureira

Bonifácio – Precisa-se de Costureira

Bonifácio caminhava a passos de passeio pelas ruas da cidade antiga. Contemplava as coisas como se fossem obras de arte de um artista desconhecido. Cada reboco de janela lhe revelava um sonho, uma lembrança, uma utopia. Num desses devaneios, Bonifácio viu a placa escrita à caneta grossa:

- Precisa-se de costureira com prática em alinhavos.

Por uma associação de ideias que só os sonhos podem alinhavar, Bonifácio lembrou-se da mãe falecida há mais de vinte anos. Engraçado, sua mãe nunca fora costureira e sequer a viu fazer uma bainha de calça.

Bateu a janela da costureira e foi recebido por uma simpática senhora.
- Bom dia, senhor!
- Bom dia, senhora! Minha mãe é uma excelente costureira, falarei com ela à tarde sobre a oferta de emprego, disse Bonifácio.
- Pois não, meu senhor. O serviço tem sido muito, preciso de uma pessoa disposta.
- Muito grato. Vou correndo avisá-la.

Saiu dali satisfeito e seguiu com o mesmo passo de turista observando as minúcias construídas pela humanidade. Trazia uma satisfação no peito, tinha feito a mamãe ressuscitar, dera-lhe vida. A tarde passaria no cemitério municipal São Miguel e Almas para dar a boa nova. Era Natal.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Bonifácio – Papai Noel

Bonifácio – Papai Noel

Bonifácio menino está ansioso, noite de Natal, vai ganhar um presente, com certeza, nunca esquecem dele. Papai Noel não esquece de ninguém. Os pensamentos são miúdos e tolinhos, claro, não é um menino excepcional nem tem sonhos maiores do que a idade permite.

Aquele ano pediu um par de luvas de goleiro, vinha se saindo bem naquela posição, apesar de jogar melhor na linha, e o pai ter-lhe proposto ser juiz. De direito, óbvio. Estuda, menino. Futebol é ilusão, todo mundo quer ser jogador. Todo mundo quer ser Pelé.

Mas o Bonifácio menino quer é mesmo receber seu presente, essas vozes adultas não chegam a pesar nos seus amiudados projetos.

E por fim, depois da sidra de maçã estourada, do peru esquartejado, do fio de ovos remexido, os presentes foram distribuídos. A Tia grita:

- Bonifácio!

- Ehehehehehehehehe! Grita mais alto o menino de cabelo fino e ralo.

Num canto, abre com carinho o embrulho. Papel verde carinhosamente ajeitado pela irmã mais velha. Lá está, branca, de couro, de marca, bem maior que suas mãos. Bonifácio menino sorri, que felicidade. Corre ao encontro da irmã, sabe que foi ela quem encomendou ao velho de barbas. Bonifácio menino tem um sorriso doce, sincero, meigo. Bonifacinho é piegas, tolinho, infantil.

Coloca a luva e experimenta com solenidade. Que momento, que felicidade. Olha em volta, todos a festejar, conversar, brindar mais um Natal naquela casa feliz apesar de todas as dificuldades que a vida em si teimava em apresentar. Bonifacinho é piegas, um romântico, um sentimental. Quase chora.

Inesquecíveis seriam as luzes daquele Natal. Bonifácio, no futuro, com felicidade recordaria. Nem jogador de linha, nem goleiro, nem juiz. Auxiliar de serviços, foi o que lhe restou e o que aceita porque lhe dá o sustento do necessário. Protesta, mas pouco. Com as luvas brilhosas e briosas, defendeu com maestria na quadra de cimento da praça. Fora quase imbatível. Senão pelo tempo que veio lhe distanciar de tudo aquilo. Mas não se arrepende porque o tempo tem dessas mesmo.

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...