Bonifácio – A Pomada
Eu não confio na minha mãe.
Quando eu nasci me deu o nome de
Bonifácio talvez sonhando que um dia eu seria bom ou faria algo bem. Até agora
nada, mas alimento esperanças. E minha mãe também, confessou-me.
Mas quero falar brevemente sobre
minha mãe. Ela ganha dinheiro vendendo pomadas. Assim foi:
A vida andava bem dura para o
nosso lado. Faltavam coisa s básicas
com papel-higiênico dupla face, picotado e perfumado, jasmim ou alfazema,
indiferente. Num dia iluminado ela foi ao cartazista e encomendou uma faixa. A
faixa, que pendurou na frente de nossa casa, tinha o seguinte enigma: Vendo
Pomada – Dona Cleci. E só.
A curiosidade das pessoas não tem
limites e foi a partir do cartaz que tudo começou a mudar em nossa vida,
incluindo a qualidade do papel higiênico exposto no trocador. A clientela batia
na porta e perguntava por dona Cleci. O nome da minha mãe é Nila. Cleci ela
puxou de alguma entidade do imaginário. Batiam na bem pintada porta azul e
perguntava por dona Cleci. Quando ela atendia dizia eu mesma, pois não. Quando
eu, dizia um momento, vou chamá-la.
A pergunta inevitável do cliente era
qual pomada realmente ela vendia, e minha mãe repetia sempre a mesmíssima
dissimulada resposta: para que queres a pomada? E a convidava para entrar, e colocava a mão no seu ombro, e a levava para
os fundos da nossa casa onde improvisa ra
o consultório num quartinho em
separado. A clientela sentava na cadeira imaculadamente
branca e soltava suas queixas.
E apresentava suas mazelas, sem
desamores, seus dissabores, sofrimentos, aborrecimentos, e essas coisa s todas que travam a vida.
Mamãe Nila escutava a todos: mulheres,
homens, jovens, velhos. Escutava tudo, concordava totalmente e por fim
diagnosticava a tal pomada. E cobrava. Tratava-se de uma conselheira e inevitavelmente
os clientes voltavam tempos depois, com outras dores. E mamãe escutava,
concordava e vendia. Vi muitos clientes saírem do consultório esquecidos da
pomada mas totalmente satisfeitos com o produto pago.
Vi um dia mamãe preparar a pomada
e fiquei surpreso com seus conhecimentos químicos ou alquímicos. No selo
colocava o adesivo: Dona Cleci – pomada. Todos iguais. E assim vivíamos naquele
entra e sai e digo que éramos bem felizes.
Mas eu continuo não acreditando
em minha mãe. Um pouco pela pomada e um pouco pela fé no meu nome.