quinta-feira, 29 de abril de 2010

UM PASSEIO NO GUAÍBA

UM PASSEIO NO GUAÍBA

O lago Guaíba já deu muitas pescarias, meu pai nos levou muitas vezes para pescar. Mas desta vez não é de pesca que eu quero contar. Quero falar é de um passeio de barco que fiz com o Tio Dorinho.

Foi numa tarde de muito sol. Tio Dorinho me falou:

-Piá, vamos dar uma volta no Guaíba, de barco.

Cruzes. Como aquilo me deixou feliz. Passear de barco, pelas águas do lago que banha a nossa cidade, ver a cidade de longe, outros barcos passando, que sabe um peixe que outro. Ia ser uma maravilha.

Saímos a pé, afinal o porto era perto, coisa de vinte minutos, era perto do centro, onde existem muitas lojas, muita confusão e principalmente muita gente, muitos pés.

O nome do barco era Cisne branco, e de fato existia um cisne pintado no casco, tudo para mim era novidade. O Tio Dorinho perguntou ao moço quanto era o passeio e eu fiquei apreensivo achando que de repente o Tio Dorinho não tinha o dinheiro. Mas ele puxou dos seus velhos bolsos da calça de brim umas notinhas. Olhou para mim e perguntou ao moço que vendia as entradas se gente pequenininha que nem eu pagava. O moço disse que pagava sim, afinal eu ia ocupar um banco.

Saímos do porto bem alegre, eu com medo, e acho que o tio Dorinho também. Não sei se é possível ficar alegre e com medo ao mesmo tempo, só sei que a gente ria e ficava sério ao mesmo tempo. Eu me sentei bem colado com o Tio Dorinho, ficava olhando aquele monte de água enquanto o moço que vendera os bilhetes ia dizendo o nome das ilhas que passávamos, as casa abandonadas, e uma tal de ilha dos presos políticos que me chamou bastante atenção.

O passeio estava maravilhoso, eu quase nem falava, meu Tio também não, acho que estávamos muito felizes. Passamos por diversas ilhas, muito nomes. Ilha do Pavão, que na minha cabeça imaginei um pavão todo colorido, enorme. Ilha dos Marinheiros, e lá ia eu pensando em muitos marinheiros, todos com os seus chapeuzinhos brancos, Ilha do Inglês, Saco da Alemoa, Jacuí. O moço ia falando, eu imaginando muitas coisas, meu tio nem sei o que pensava.

O passeio ia tranqüilo, eu via aquele monte de água, sabia que não tinha muitos peixes por causa da tal poluição. Lá pelas tantas, quase no fim do passeio, o homem que era guia falou que aquela ilha à direita, pequena, com umas casinhas baixas, era a Ilha da Cadeia, a ilha que tinha, antigamente, os presos políticos, e outros tantos outros presos mais antigamente ainda. Ai sim eu fiquei impressionado, pensando nos presos, naquela ilha, isolada, no meio do Guaíba.

O Barco Cisne Branco aportou no cais. Eu e meu Tio Dorinho estávamos maravilhados. Descemos do barco e ele me pediu para que ficássemos ali, esperando a nova turma de passageiros entrar para um novo passeio pelas águas do Guaíba.

A embarcação já ia andando, quando o vendedor de bilhetes perguntou ao meu tio se a gente queria dar mais um pesseio, de graça. Puxa, de graça, pensei, que legal. E lá fomos nós para mais um passeio. E lá foi o homem dizendo as ilhas do Pavão... Puxa, como é bom ter as coisas de graça.

Quando passamos pela Ilha da Cadeia, Ilha dos presos políticos, parece que era mentira, olhei para ilha é vi muitos presos acenando para gente, diziam:

- Por favor, nos tiram daqui, somos inocentes, não fizemos nada.

Aquilo me deu dó, sabe. Fiquei com muita pena mesmo. Mais que ligeiro, e nisso eu sempre fui bom, arranjei uma corda grossa, da grossura de um punho de gente, pedi um pezinho pro meu Tio Dorinho, subi no teto da embarcação e atirei com todas as minhas forças a corda. Foi uma laçada e tanta. Pimba, acertei bem no centro da ilha. Daí não deu outras, os presos todos saíram da ilha, entraram no Barco Cisne Branco, e fugiram daquela ilha que alguém um dia os tinha colocado.

Chegamos da segunda viagem, e eu estava contente mesmo. Não contente de ficar rindo. Contente por dentro, contente por ter visto coisas que nunca mais iria esquecer. Como de costume, fomos a pé para casa, falando algumas vezes sobre as ilhas do Guaíba. Quase perto de casa, quando íamos atravessar uma avenida de com muitos carros, de nome Avenida Farrapos, eu gritei ao tio Dorinho:

- Vamos , tio, dá tempo de atravessar, os carros estão longe.

E o Tio me falou:

- Calma, guri. É certo perder um minuto da vida do que a vida em um minuto.

E a gente esperou os carros passarem, e depois atravessamos, bem devagar, com calma.

Meu Tio Dorinho era querido, tinha um corpo forte, um cabelo loiro bem comprido, e me deu muitos pezinhos, muitas vezes na minha vida.

terça-feira, 27 de abril de 2010

CONTOS CURTOS, DOIS

Contos Curtos


O Contador

Velho, de aparência abatida, barba por fazer, entra no ônibus de linha.

Senta-se no banco no meio do coletivo, do lado do corredor. Suspira.

Da pasta preta, de couro surrado, gasta nas pontas e sem brilho de tanto uso, velha, tira o caderno de capa amarela e a caneta quebrada e sem tampa, azul.

Dali não sai mais.

Desenha números e mais números, numa conta enorme, com algarismos que se confundem e não se encaixam, uma cobra soltando escamas.

Passaria o resta da vida naquele mundo se o ônibus não chegasse no fim da linha e se o cobrador, olhos caídos, não lhe avisasse que a estrada chegava ao fim.
Em 13.02.2008.


Gente

Meu pai tonteia pelas ruas da cidade.

Mais precisamente pelo centro, que é movimentado e interessante.

Meu pai parece um passarinho assustado, curioso.

Afora a vergonha, vai julgando o rosto, o jeito daqueles que passam.

Chega, meu pai, a conclusões tristes.

Lembra uma frase: “que futuro tem esta gente”?

Nada ou pouco pode fazer

Meu pai só pode observar.

Que futuro tem meu pai?

Em 13.10.2009


Reunião dançante

Entro de leve.

Um quarto quase escuro, alguém improvisou uma média luz, fuleira.

Música romântica, americana, melosa, no toca-discos.

Adolescente, - como eu queria dançar com uma delas.

Mas estão todas ocupadas.

Impossível, penso.

Cabelinho seboso, caído, liso, nos olhos. E saio.

Eu estava de penetra, é justo.

Até hoje sonho com aquela festinha.

Minha idéia de reunião dançante.

Em 21.09.2009


Saco

Arrasta o saco

Cheio de papéis dos banheiros.

O movimento do seu corpo é de condenada.

Dá dó. Ou não.

Depende de quem olha.

Tem olhos para tudo neste mundo,

Tem gente para tudo e

Tem tudo para a gente.

Arrasta o saco preto, sujo

De um quarto de banho para o outro, diria meu tio mais velho.

Banheiro de gente fina.

E

Não vê a hora de tudo acabar,

Voltar para casa,

Limpar o seu próprio banheiro e xingar todo mundo pela imundície deixada.

Em 17.09.2009


Chapista

Quererá adivinhar:

Este carne.

Este frango.

Este frango, carne e coração. Quiçá uma fatia de queijo em cima.

Esta nada, de regime, assaltou a geladeira ontem à noite.

Este magro por que um miserável, não paga muito pelo peso do prato.

Quererá filosofar:

Que vida,

Que espátula,

Que cheiro repugnante!

Ainda muda de vida e diz tchau à fumaça e banha.

Mas lá vem o dono da chapa...

Em 16.09.2009



Árvores


Se eu pudesse

Beijaria todas as mãos

Que plantaram estas árvores

Floridas da minha cidade.

E beijava quem as mandou plantar.

E quem as plantou.

Que cores!

Que espetáculo!

Que vida!

Meus olhos se achem de alegria nestas avenidas movimentadas e encantadas pela beleza destas árvores. Cada árvore me acena, me deixa passar, me impulsiona. Se eu pudesse Beijaria A mão de Deus E agradecia profundamente esta esperança que deposito nos homens Plantadores.


poeminha dedicado a meu irmão Roberto Branchi.





Chuva

João Antunes era morador de Bexiga

Localidade do Interior de Rio Pardo, aqui no Rio Grande.

Morava solito, numa tapera, perto dum açude.

João Antunes foi encontrado morto em frente ao casebre, numa árvore, bem enforcado, corda grossa.

No bolso do defunto, um bilhetinho com letras garrafais:

Isolda Berta, eu te amo.

A guarda conclui que o suicídio fora passional.

Mentira: o matungo se enforcara porque a chuva não deu trégua por cinco dias, inundando as esperanças de sol do gaudério.

Em 11.09.2009

Mãe


Quando ela ficava doente

A gente adoecia de fome.

Quem ia fazer nossa comida?

As manas não cozinhavam nada.

Mas mesmo debaixo das cobertas

Sentindo as piores coisas

Ela ia- nos ensinando a fazer o feijãozinho.
Em 25.05.2009


Morte

Sentei na beira da calçada,

O paralelepípedo estava gelado.

Mamãe já havia partido,

Meu irmão acabara de partir, no mesmo trem que agora fazia nova viagem, mesmo destino.

Lágrimas eu tinha pouco,

Mas minha cabecinha sentenciava: havia tantas coisas para serem conversadas. O embarque fora rápido demais.

Em 19.05.2009


Velho


Senta ao meu lado e conta histórias.

Todos os dias.

Às vezes as repete. É a idade, o tempo.

Será que as conta para não esquecê-las?

Volta e meia, reclamo...

Reclamo por reclamar porque já não posso viver sem elas.



Velho


Suas mãos calejadas vão desenhando arcos e curva de ferro.

Vão edificando meu projeto.

Explica-me a forma, o estilo, o modo.

Conta-me histórias para dar veracidade ao trabalho executado.

É frio o tempo.

É alguém que me conta o que a vida lhe ensinou.

E eu vou aprendendo.


Mãe


Com vinte e cinco anos minha mãe curvou-se pela primeira vez.

Baixou a cabeça e olhou para o chão, em busca de uma moeda, que fosse.

Dez anos passados, a mulher estava encurvada de forma tal que não havia como endireitar a carcaça.

Viveu feliz assim, por longos anos.

Criou-nos.

Nunca achou moeda alguma.


Em 14.05.2009

quarta-feira, 14 de abril de 2010

BONIFÁCIO: CASAMENTO

Bonifácio e Isaura estavam casados há um ano, mais ou menos. A vida andava boa. Noites quentes de amor, beijos demorados no portão antes das despedidas. Nada de filhos, reforça-se. Bonifácio assoviava aquele samba cadenciado, bem marcado, vivia bem humorado, se alimentava com satisfação. Isaurinha suspirava, amava até lavando os pratos, se lembrando dos amassos, dos tratos, dos braços do amado. A vida ia boa, cheirosa, e os planos eram muito para o futuro, e além, mas só depois de tudo, que nem queriam saber o que era.

Um dia, Bonifácio no trabalho repetitivo da repartição, sem querer, pensar ou dizer, observou uma pequena mancha na mesa de trabalho. Parecia um borrão de caneta, ou talvez de uma fruta, uma nódoa qualquer. Depois da distração, voltou à tela e continuou a lançar dados no sistema. Mas vira e mexe Bonifácio era atraído pela mancha e se abstraía das obrigações de servidor público. Pensou em uma lente de aumento, isso lhe daria uma ideia melhor sobre a falha na mesa, mas ali não o tinha.

Na hora do almoço, correu a uma loja e comprou uma bela lupa, daquelas com cabo de marfim, ou de chifre de bode, não tinha como precisar. De volta à repartição, ansioso, foi direto à mancha e não tardou a descobrir que era borra de café, com certeza era borra de café. À tarde, pediu licença ao chefe e saiu mais cedo. Passou na mesma casa especializada e comprou um microscópio. Bonifácio, investigativo, voltou para casa, satisfeito e feliz. Encontrara um rumo, e esse rumo era microscópio.

No mesmo dia, Isaurinha, que andava a ver flores e borboletas coloridas em tudo, ministrando sua aula aos adolescentes, se viu interrompida pelos pedidos dos alunos que a chamavam para si. Isaura havia parado junto à janela e olhava o céu, absorta à sala de aula, ao mundo terreno. O azul do céu a havia fascinado, e entre uma lição e outra, corria a janela e contemplava o infinito. No final do turno, coincidência, correu a mesma loja que Bonifácio havia comprara o microscópio, e comprou um telescópio.

Depois disso, Bonifácio e Isaurinha, tão unidos e grudados, aos poucos foram se deixando levar por interesse opostos. Bonifácio queria entender tudo aquilo que estava bem pertinho, a partícula menor das coisas; Isaura, com os olhos biônicos queria enxergar aquilo que estivesse mais adiante, a partícula mais além de tudo.

Os dois se amavam, disso não havia dúvida. Sempre voltavam ao centro, se encontravam, se beijavam, se gostavam, e este era o ponto de partida. Depois do porto seguro, cada um olhava na direção oposta, sabendo que sempre podiam voltar.

Autor: Alexandre Henrique Branchi

Em 13.04.2010

quinta-feira, 8 de abril de 2010

BONIFÁCIO: Histórias

Bonifácio

     Quando Bonifácio olhou o saldo da conta corrente, num desses caixas eletrônicos do centro da cidade, ficou num desânimo sem alento. Observava fixamente o monitor e não acreditava naquela cifra negativa, o sinal de menos à esquerda da quantia. Mais um mês na pindaíba. O problema maior era o aborrecimento com a Isaura e a questão da pensão às crianças.

     Veja que coisa: Isaura se engraçou com o Felício, o montador de roupeiros da Casa Jaú, e desgraçou a vidinha mais ou menos que Bonifácio levava junto a até então bem amada Isaurinha. Mas a questão agora era Júlia e Carlinha, filhas daquela união que foi atropelada pelo montador. Mais um mês elas teriam que se contentar com o vale rancho do sindicato, através da cooperativa dos funcionários do município, e, de lambuja, créditos automáticos no celular, debito em conta, e só. Lambam os grossos beiços, filhas!

     O diabo na vida de Bonifácio era o cartão de crédito e o cheque especial. Gastou toda aquela fortuna em que lugar? Quando? Bonifácio procurava o furo da bala e nada. A bodega do Português José ia sofrer mais um pênalti naquele mês. Ia pagar só a metade da bóia consumida. O diabo na vida de Bonifácio foi os lábios fáceis de Isaura.

     Olhando o caixa eletrônico com desânimo, Bonifácio apertou a tecla para que a maquininha devolvesse o seu cartão magnético, algum status ele ainda lhe daria, quem sabe um outro empréstimo para pagar o empréstimo do empréstimo. Mas o cartão não queria sair de jeito nenhum daquela boquinha preta rala. E ali nada de gerente ou funcionário para reclamar.

     Na tela da máquina, Bonifácio lia: cartão bloqueado, consulte a sua agência. O homem ficou exaltado e começou a xingar a monstruosidade. Não lhe importava que aquilo não tinha ouvidos. E câmeras de vigilância, se as houvesse, que fossem às favas.

     Bonifácio, na raiva, pensando na Isaura, naquele sorriso doce, naqueles lábios molhados, deu um chute tão forte na maquina que chegou a desligá-la. Deu tilt! Subitamente o cartão foi ejetado, como se fosse alguém que tivesse engolido algo e lhe fizesse mal. Uma criança cuspindo uma bolinha de gude. Bonifácio sorriu largo, por hora o seu problema fora resolvido. A vida que lhe trouxesse soluções! Pensaria em tudo mais tarde, depois do expediente, na solidão do quartinho de pensão de Dona Inácia, olhando a foto da top model Isabella pendurada com durex na divisória de madeira.
Em 08.08.2010
Alexandre Henrique Branchi

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...