sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Bonifácio - A Praça

Bonifácio – A Praça



Bonifácio acomodou-se com parcimônia junto à platibanda do terraço. O edifício possuía sólidos seis andares. Apontou o rifle para a praça que, naquele sábado mormacento, estava cheia de alvos. A babá com os gêmeos, e de olho no office-boy que lanchava esparramado no banco azul; o vovô lendo as mesmices do matutino jornal e a sentir as pedras nos rins que lhe infernizavam; os meninos correndo na disputa da bola com irascível maldade; os namoradinhos e seus beijos demorados, os seus desejos insaciáveis. Tudo vivo e vivendo, e acontecendo, todo mundo pensando em alguma coisa. E Bonifácio também, cego à dor alheia, às contas vencidas, aos ônibus perdidos, aos papéis jogados por acaso no lixo, aos cartões esquecidos nos telefones públicos. Dali, fácil! Era só escolher quem o atirador levaria desta para o patamar celeste.



- Em quantas vezes dá para fazer?
- Duas.
- E a vista?
- Mesmo preço.
- E a garantia?
- Sete dias, depois é com o fabricante.
- Quanta canalice, né, seu!



O dedo no gatilho e o olho na caça. Bonifácio escolheu a placa de advertência que indicava mão dupla. Pléin! Na mosca. Muita gente, muita opção, pensou. Sábado não era dia de luxúrias. À noite pegaria um cineminha com Isaura: “Canção na Fonte da Piazza”, depois comeriam uma pizza na Dona Bella.



terça-feira, 14 de setembro de 2010

Bonifácio - A Morte da Cachorrinha

Bonifácio – A Morte da Cachorrinha

A piscina estava com meio metro de água suja, esverdeada. Chamou a chihuahua estralando os dedos sete vezes. A cachorrinha veio faceira, balançando o rabo pitoco. Não teve trabalho de empurrar o bichano com a ponta da botina. Quanto tempo poderia o canino nadar entes de afogar-se? Era uma nova modalidade para Bonifácio. A temperatura elevada ajudava na tarefa.

- Há vinte anos atrás não tinha esta maloqueiragem.
- Claro que tinha, mas a gente corria a pau.
- Eles não cuidam mais dessas pracinhas. Olha o lixaredo?
- Tinha zelador, instrutor, Kombi que levava a gente para outras praças jogar.
- Vamos, tá na hora.

Ficou observando a cadelinha por cerca de dez minutos, a língua de fora acusava o golpe. De fato, o óbito por afogamento se daria logo. Também, tão fraquinho, pet shop toda sexta-feira, ração premium, semente nas orelhas anti-estresse. E Bonifácio tinha pressa, aquilo era crime menor para sua carreira. Tinha compromisso, joguinho com os colegas do sindicato. Damião no time adversário. Eh, eh, eh. Ele que esperasse pelo revide da canelada da semana passada.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Bonifácio - O Roubo

Bonifácio – O Roubo

Rondou a gôndola por instantes, cachorro perseguindo rabo, focinhou para os lados com discrição. Enfiou o furto no bolso no exato instante que o segurança entrou no mesmo corredor do supermercado. O ronda freou o passo e mediu os atos de Bonifácio. Tudo parado. Atacante na marca do pênalti pronto para bater; arqueiro na expectativa; torcidas atentas. A metodologia aplicada à técnica se mostrava viciada, seria pegou pela terceira vez em menos de dois anos. O segurança avançou decidido em direção ao infrator.

- Dinheiro na poupança só adianta se a gente coloca sempre mais.
- E do jeito que anda, vai longe ainda.
- Tu vai ou não comigo?
- Tô com dor de barriga. Acho que não.
- Vai pedir dinheiro pra eles para ver os juros...
- Não esquece dos ovos de codorna.

Chegar em casa sem a iguaria seria catastrófico, Isaura ficaria irritada. E passar constrangimentos na sala do gerente era dose para mamute. E mesmo porque não tinha um puto na carteira. Quanta dificuldade!
O fiscal avançou decidido em sua direção. A centímetros de Bonifácio, calculou matematicamente a altura do amigo do alheio: primeiro nos olhos opacos, depois no bolso do contraventor. Por fim, um olhar cúmplice e passou ao largo dele. Bonifácio soltou a respiração suspensa por instante. Assim que se viu só e seguro, devolveu o furto para a ilha de mercadorias. Rabo de cachorro cotoco. Não convinha chegar à entrevista de emprego cheirando a salame italiano.

Ela Saiu

Ela saiu do apartamento numa terça-feira à tarde. Pensei,  já vai aproveitar a quarta e dar um rolé com as amiguinhas. Me deixou como se dei...