Contos Curtos
O Contador
Velho, de aparência abatida, barba por fazer, entra no ônibus de linha.
Senta-se no banco no meio do coletivo, do lado do corredor. Suspira.
Da pasta preta, de couro surrado, gasta nas pontas e sem brilho de tanto uso, velha, tira o caderno de capa amarela e a caneta quebrada e sem tampa, azul.
Dali não sai mais.
Desenha números e mais números, numa conta enorme, com algarismos que se confundem e não se encaixam, uma cobra soltando escamas.
Passaria o resta da vida naquele mundo se o ônibus não chegasse no fim da linha e se o cobrador, olhos caídos, não lhe avisasse que a estrada chegava ao fim.
Em 13.02.2008.
Gente
Meu pai tonteia pelas ruas da cidade.
Mais precisamente pelo centro, que é movimentado e interessante.
Meu pai parece um passarinho assustado, curioso.
Afora a vergonha, vai julgando o rosto, o jeito daqueles que passam.
Chega, meu pai, a conclusões tristes.
Lembra uma frase: “que futuro tem esta gente”?
Nada ou pouco pode fazer
Meu pai só pode observar.
Que futuro tem meu pai?
Em 13.10.2009
Reunião dançante
Entro de leve.
Um quarto quase escuro, alguém improvisou uma média luz, fuleira.
Música romântica, americana, melosa, no toca-discos.
Adolescente, - como eu queria dançar com uma delas.
Mas estão todas ocupadas.
Impossível, penso.
Cabelinho seboso, caído, liso, nos olhos. E saio.
Eu estava de penetra, é justo.
Até hoje sonho com aquela festinha.
Minha idéia de reunião dançante.
Em 21.09.2009
Saco
Arrasta o saco
Cheio de papéis dos banheiros.
O movimento do seu corpo é de condenada.
Dá dó. Ou não.
Depende de quem olha.
Tem olhos para tudo neste mundo,
Tem gente para tudo e
Tem tudo para a gente.
Arrasta o saco preto, sujo
De um quarto de banho para o outro, diria meu tio mais velho.
Banheiro de gente fina.
E
Não vê a hora de tudo acabar,
Voltar para casa,
Limpar o seu próprio banheiro e xingar todo mundo pela imundície deixada.
Em 17.09.2009
Chapista
Quererá adivinhar:
Este carne.
Este frango.
Este frango, carne e coração. Quiçá uma fatia de queijo em cima.
Esta nada, de regime, assaltou a geladeira ontem à noite.
Este magro por que um miserável, não paga muito pelo peso do prato.
Quererá filosofar:
Que vida,
Que espátula,
Que cheiro repugnante!
Ainda muda de vida e diz tchau à fumaça e banha.
Mas lá vem o dono da chapa...
Em 16.09.2009
Árvores
Se eu pudesse
Beijaria todas as mãos
Que plantaram estas árvores
Floridas da minha cidade.
E beijava quem as mandou plantar.
E quem as plantou.
Que cores!
Que espetáculo!
Que vida!
Meus olhos se achem de alegria nestas avenidas movimentadas e encantadas pela beleza destas árvores. Cada árvore me acena, me deixa passar, me impulsiona. Se eu pudesse Beijaria A mão de Deus E agradecia profundamente esta esperança que deposito nos homens Plantadores.
poeminha dedicado a meu irmão Roberto Branchi.
Chuva
João Antunes era morador de Bexiga
Localidade do Interior de Rio Pardo, aqui no Rio Grande.
Morava solito, numa tapera, perto dum açude.
João Antunes foi encontrado morto em frente ao casebre, numa árvore, bem enforcado, corda grossa.
No bolso do defunto, um bilhetinho com letras garrafais:
Isolda Berta, eu te amo.
A guarda conclui que o suicídio fora passional.
Mentira: o matungo se enforcara porque a chuva não deu trégua por cinco dias, inundando as esperanças de sol do gaudério.
Em 11.09.2009
Mãe
Quando ela ficava doente
A gente adoecia de fome.
Quem ia fazer nossa comida?
As manas não cozinhavam nada.
Mas mesmo debaixo das cobertas
Sentindo as piores coisas
Ela ia- nos ensinando a fazer o feijãozinho.
Em 25.05.2009
Morte
Sentei na beira da calçada,
O paralelepípedo estava gelado.
Mamãe já havia partido,
Meu irmão acabara de partir, no mesmo trem que agora fazia nova viagem, mesmo destino.
Lágrimas eu tinha pouco,
Mas minha cabecinha sentenciava: havia tantas coisas para serem conversadas. O embarque fora rápido demais.
Em 19.05.2009
Velho
Senta ao meu lado e conta histórias.
Todos os dias.
Às vezes as repete. É a idade, o tempo.
Será que as conta para não esquecê-las?
Volta e meia, reclamo...
Reclamo por reclamar porque já não posso viver sem elas.
Velho
Suas mãos calejadas vão desenhando arcos e curva de ferro.
Vão edificando meu projeto.
Explica-me a forma, o estilo, o modo.
Conta-me histórias para dar veracidade ao trabalho executado.
É frio o tempo.
É alguém que me conta o que a vida lhe ensinou.
E eu vou aprendendo.
Mãe
Com vinte e cinco anos minha mãe curvou-se pela primeira vez.
Baixou a cabeça e olhou para o chão, em busca de uma moeda, que fosse.
Dez anos passados, a mulher estava encurvada de forma tal que não havia como endireitar a carcaça.
Viveu feliz assim, por longos anos.
Criou-nos.
Nunca achou moeda alguma.
Em 14.05.2009
terça-feira, 27 de abril de 2010
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