quarta-feira, 14 de abril de 2010

BONIFÁCIO: CASAMENTO

Bonifácio e Isaura estavam casados há um ano, mais ou menos. A vida andava boa. Noites quentes de amor, beijos demorados no portão antes das despedidas. Nada de filhos, reforça-se. Bonifácio assoviava aquele samba cadenciado, bem marcado, vivia bem humorado, se alimentava com satisfação. Isaurinha suspirava, amava até lavando os pratos, se lembrando dos amassos, dos tratos, dos braços do amado. A vida ia boa, cheirosa, e os planos eram muito para o futuro, e além, mas só depois de tudo, que nem queriam saber o que era.

Um dia, Bonifácio no trabalho repetitivo da repartição, sem querer, pensar ou dizer, observou uma pequena mancha na mesa de trabalho. Parecia um borrão de caneta, ou talvez de uma fruta, uma nódoa qualquer. Depois da distração, voltou à tela e continuou a lançar dados no sistema. Mas vira e mexe Bonifácio era atraído pela mancha e se abstraía das obrigações de servidor público. Pensou em uma lente de aumento, isso lhe daria uma ideia melhor sobre a falha na mesa, mas ali não o tinha.

Na hora do almoço, correu a uma loja e comprou uma bela lupa, daquelas com cabo de marfim, ou de chifre de bode, não tinha como precisar. De volta à repartição, ansioso, foi direto à mancha e não tardou a descobrir que era borra de café, com certeza era borra de café. À tarde, pediu licença ao chefe e saiu mais cedo. Passou na mesma casa especializada e comprou um microscópio. Bonifácio, investigativo, voltou para casa, satisfeito e feliz. Encontrara um rumo, e esse rumo era microscópio.

No mesmo dia, Isaurinha, que andava a ver flores e borboletas coloridas em tudo, ministrando sua aula aos adolescentes, se viu interrompida pelos pedidos dos alunos que a chamavam para si. Isaura havia parado junto à janela e olhava o céu, absorta à sala de aula, ao mundo terreno. O azul do céu a havia fascinado, e entre uma lição e outra, corria a janela e contemplava o infinito. No final do turno, coincidência, correu a mesma loja que Bonifácio havia comprara o microscópio, e comprou um telescópio.

Depois disso, Bonifácio e Isaurinha, tão unidos e grudados, aos poucos foram se deixando levar por interesse opostos. Bonifácio queria entender tudo aquilo que estava bem pertinho, a partícula menor das coisas; Isaura, com os olhos biônicos queria enxergar aquilo que estivesse mais adiante, a partícula mais além de tudo.

Os dois se amavam, disso não havia dúvida. Sempre voltavam ao centro, se encontravam, se beijavam, se gostavam, e este era o ponto de partida. Depois do porto seguro, cada um olhava na direção oposta, sabendo que sempre podiam voltar.

Autor: Alexandre Henrique Branchi

Em 13.04.2010

Um comentário:

  1. Muito interessante. Lembra um poema e suas inúmeras interpretações...
    Ao meu escritor favorito, um beijo de boa noite.
    mila

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