Hilda
Conheci Hilda Hirst quando, num dos meus primeiros passeios pelo bairro da minha nova residência, cruzei com a velhinha numa destas agradáveis ruas transversais da nossa cidade. Não sei se era primavera, mas me agradaria ter certeza disso. Levava comida e água para os gatinhos de rua, que eram vários, multicoloridos. Simpatizei na hora pela senhora.
Do que sei de Hilda é pouco, mas o suficiente para um vizinho discreto: nasceu em 1924, casou em 1940 com um sujeito chamado Clodoaldo ou Adroaldo, e não tiveram filhos. Ele morreu dez anos depois do casamento, ou menos. Ela, dona de casa, daquelas que regam as folhagens todos os dias, principalmente uma popularmente chamada dinheirinho, pilea microphylla. E as demais folhagens também, se bem que com menos carinho; ele, metalúrgico, especialista no controle de qualidade no fabrico de talheres classe A, mas iniciou na C.
Hilda tinha um pescoço absolutamente encurvado para frente, absurdamente horizontal, usava perucas de gosto duvidoso, batom vermelho-exagerado e vestidos idos há muito tempo. Antigos, floridos, compridos. E Hilda possuía com maestria o sorriso mais agradável que já presenciei na minha vida. Era encantador, suave, doce, verdadeiro. Sempre quando eu a avistava, corria-lhe ao encontro e esperava o meu bálsamo para as mazelas em gerais, que era o seu sorriso. Sempre me sentia muito bem depois de trocar meia dúzia de palavras com a Hilda Hirst, a octogenária.
Não faz muito avistei um enorme caminhão de mudanças junto à casa da Dona Hilda. Parei na calçada e fiquei por minutos parado na calçada oposta para ver se obtinha alguma informação. Aproximei-me do motorista que organizava o vai e vem das quinquilharias e perguntei pela dona da casa.
- Morreu.
Depois fiquei sabendo pelo vizinho que Hilda tinha deixado um bilhete onde, após sua morte, doava todos os móveis, eletrodomésticos e essas outras coisas - que tanto necessitamos em nossas casas - para o Mensageiro da Caridade, que é uma instituição religiosa que vende a preços populares as coisas recebidas.
Perdi Hilda e seu sorriso. Perdi seu gesto afagando os gatos rejeitados. Perdi a mão que regava uma macega qualquer, com tanto carinho. Penso que perder não é nada bom e que isso não acrescenta nada na vida, ao contrário do que já tanto escutei: tudo é um ensinamento, menino.
Dias desses espiei os novos inquilinos da casa da bondosa Hilda. Discreto, olhei para o pátio e vi uma senhora regando as folhagens que um dia foram de Hilda. Sorri.
- A vida continua, Hilda. A Vida continua minha velha.
Em 16.03.2010
Conheci Hilda Hirst quando, num dos meus primeiros passeios pelo bairro da minha nova residência, cruzei com a velhinha numa destas agradáveis ruas transversais da nossa cidade. Não sei se era primavera, mas me agradaria ter certeza disso. Levava comida e água para os gatinhos de rua, que eram vários, multicoloridos. Simpatizei na hora pela senhora.
Do que sei de Hilda é pouco, mas o suficiente para um vizinho discreto: nasceu em 1924, casou em 1940 com um sujeito chamado Clodoaldo ou Adroaldo, e não tiveram filhos. Ele morreu dez anos depois do casamento, ou menos. Ela, dona de casa, daquelas que regam as folhagens todos os dias, principalmente uma popularmente chamada dinheirinho, pilea microphylla. E as demais folhagens também, se bem que com menos carinho; ele, metalúrgico, especialista no controle de qualidade no fabrico de talheres classe A, mas iniciou na C.
Hilda tinha um pescoço absolutamente encurvado para frente, absurdamente horizontal, usava perucas de gosto duvidoso, batom vermelho-exagerado e vestidos idos há muito tempo. Antigos, floridos, compridos. E Hilda possuía com maestria o sorriso mais agradável que já presenciei na minha vida. Era encantador, suave, doce, verdadeiro. Sempre quando eu a avistava, corria-lhe ao encontro e esperava o meu bálsamo para as mazelas em gerais, que era o seu sorriso. Sempre me sentia muito bem depois de trocar meia dúzia de palavras com a Hilda Hirst, a octogenária.
Não faz muito avistei um enorme caminhão de mudanças junto à casa da Dona Hilda. Parei na calçada e fiquei por minutos parado na calçada oposta para ver se obtinha alguma informação. Aproximei-me do motorista que organizava o vai e vem das quinquilharias e perguntei pela dona da casa.
- Morreu.
Depois fiquei sabendo pelo vizinho que Hilda tinha deixado um bilhete onde, após sua morte, doava todos os móveis, eletrodomésticos e essas outras coisas - que tanto necessitamos em nossas casas - para o Mensageiro da Caridade, que é uma instituição religiosa que vende a preços populares as coisas recebidas.
Perdi Hilda e seu sorriso. Perdi seu gesto afagando os gatos rejeitados. Perdi a mão que regava uma macega qualquer, com tanto carinho. Penso que perder não é nada bom e que isso não acrescenta nada na vida, ao contrário do que já tanto escutei: tudo é um ensinamento, menino.
Dias desses espiei os novos inquilinos da casa da bondosa Hilda. Discreto, olhei para o pátio e vi uma senhora regando as folhagens que um dia foram de Hilda. Sorri.
- A vida continua, Hilda. A Vida continua minha velha.
Em 16.03.2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário