DA ESQUERDA PARA A DIREITA
Uma semana antes de ser internado na Pinel, hospital psiquiátrico da cidade, declarou à mulher e aos filhos, à mesa de jantar, (entre coxinha assada, polenta frita, suco de uva), que concordava com a internação, talvez estivesse louco mesmo ou simplesmente era uma questão de reorientação social adequada. Precisava aprumar o pensamento. Ares novos.
Tudo se passou há dois anos atrás. Estava Ariovaldo pronto para sair ao trabalho, manhã de inverno, dia claro, quando uma ideia absurda veio-lhe a mente: era preciso fazer uma faxina geral no pátio da casa. E a obsessão se dava quando a mente insistia em direcionar que a limpeza tinha que iniciar da esquerda para a direita. Absolutamente. Rigorosamente.
Já no volante do carro, Ariovaldo passou o dia de trabalho inteirinho pensando na tarefa. Brigava com seus pensamentos e sabia que alguma coisa estava errada. Na hora do almoço, num desse botequinhos da vida, - que o salário não dava para comer salmão -, antes de dar a primeira garfada, remoeu o trabalho da limpeza, sempre da esquerda para a direita. E imaginava-se do lado esquerdo do terreno, armado de pá, vassoura, sacos, luvas, enxada, e outros utensílios pertinentes à empreitada.
Então pegou o garfo com a mão esquerda e iniciou o abocanhar do feijão com arroz do lado esquerdo da boca. Não foi fácil comer assim, mas devorou a comida o mais depressa possível. O resto do intervalo ficou imaginando o cantinho do terreno, a tarefa lhe agradava. Pensava também em Delma, a cozinheira do boteco em que estava, mas só um pouquinho.
Naquela mesma noite revelou o plano para a mulher, que a princípio apenas o olhou de soslaio. O marido insistia do “da esquerda para a direita”, e quando foi dar-lhe o beijo costumeiro de boa noite, assoprou: da esquerda para a direita, no ouvido esquerdo da bem amada.
E foi assim que Ariovaldo foi “saindo da casinha” lentamente, sem se dar conta. Num breve, pediu férias, passou na loja do Messias Ferragens e Ferrovias, e veio todo faceiro para casa. Acordou cedo na manhã seguinte e inicio o trabalho. Ariovaldo começou exatamente como havia planejado, da esquerda para a direita, junto ao muro, perto do taquaral. Ariovaldo ficou a manhã, a tarde e adentrou a noite naquele faina. Quando a esposa se deu conta, foi ter com Ariovaldo por que ele não desembrenhava:
- Tem de ficar bem limpo e organizado, respondeu ele com ar de cansaço.
E nisso se passaram cinco dias, e Ariovaldo ali, improdutivo, reforma agrária. Foi quando a família se deu conta que Ariovaldo estava variando. Num conselho de família, (agora regado à costela de porco, farofa, aipim e suco de laranja), atestaram que o homem estava louco. No seu afazer, Ariovaldo matutava e conversava sozinho sobre o cantinho esquerdo do terreno. Tinha o ar de derrotado.
Passada a fase da Pinel, depois de alguns anos, todos acreditavam que Ariovaldo estava curado, inclusive ele, eventualmente. Mas à noite, sempre que podia, saia para o pátio e dava uma olhadinha para o canto do terreno e ficava pensando: dá esquerda para a direita, sempre.
Em 24.03.2010
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