segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Passarinho da Praça

O Passarinho da Praça

Parte da minha existência se reduz a observar a praça. Não é muito bonita nem bem cuidada, mas tiro dela o melhor que posso - para ela e para mim. Sentado junto a minha improdutiva mesa de trabalho, passam papeis com números apagados e sem graça, sapatos contentes e de todas as cores, sorriso ortodônticos em rostos inanimados. E penso isso compreender e aceitar. As coisas são assim, desse jeito.
Giro a cadeira e fico olhando para praça enquanto ela me engraça com tudo que passa, nela e em mim. Verdes e marrons, alguns lilases e amarelos. Árvores me deixam feliz, primavera me deixa esperançoso, saibro me leva por caminhos onde há princesas e castelos, reis e rainhas, labirintos tortuosamente lindos. Tenho um amor por praças, coisa que me laça e nunca passa de tanto contentamento.
Gosto demais de passarinhos. Gosto empoleirados, no chão, voando, procurando comida. Gosto piando ou cantando, e gosto quieto, olhando. Alegro-me muito com os casais nos banco, os beijos, os abraços, gosto também. Mas muito mais de passarinhos.
Na minha praça há passarinhos por demais estranhos. Um deles é um homem vestido de mulher, que com suas trouxas e sacolas zela por todo esse encanto que vejo. Esse passarinho é assustado, indefeso, vive frenético, um cuidar elétrico para todos os lados (igual a passarinho) a procura do inimigo que pode a qualquer momento levar o seu encanto e sonhos. Todos eles de uma vez.
Esse passarinho passa o dia naquele trabalho, fala sem cessar, gesticula o tempo todo, lê para o público transeunte que atento atenta a estranha criatura. Dá espetáculo ao mesmo tempo em que assusta.

Fico observando a praça, cuido do meu passarinho. À noite não sei aonde vai, mas rezo para que não se perca de jeito algum. Preciso da praça e do passarinho da praça, que canta pra mim. Quando me falta um alento maior que os sapatos coloridos, viro a cadeira e procuro as árvores, o saibro, meus passarinhos.

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