Ela não dá a mão pra ele. Ela não dá mesmo, não
dá.
Caminham pela rua e ela justifica dizendo que há
um jornal ou sacola a levar, que está calor, que está frio, que é ruim caminhar
assim. Raríssimas vezes se deram as mãos, isso foi no começo do namoro, na
faculdade de arquitetura, só para marcar posse, propriedade. Ela se interessou
por ele porque sua aparência chegava próxima a de um manequim de vitrine.
Porque ele ficava tipo estátua, tinha bom gosto para se vestir, cabelo penteado,
cinto de couro grosso, idéias claramente afirmativas, carro novo, dentes
branco-retros, camisa abotoada,
barba feita, sapatos de couro mocassim, brim coringa, sem brinco, sem frescura,
sem afetações, sem palavras, sem exigências, sem rompantes, sem grandes
ardores. Ele era um cara super normal, e ela era super amarrada na imagem super
legal que ela achava que ele transmitia. Ela era bonita sim, cabelo curto,
batom vermelho, cinto fino e tão assim-assim quanto ele. Ela era conservadora e
sabia que aquele amor seria seguro, para sempre, e até agora não errara no
julgamento prévio e não apressado.
Pela rua, depois de quinze anos juntos, sem
filhos, bem empregados, descolados das mazelas do terceiro mundo e da crise no
Oriente Médio, alheios a políticas e religiões, ela não dá a mão para ele. A
mão dele é lisa , macia, com cremes
hidratantes e antienvelhecimento. Ele nem reivindica, acostumou-se com sua
ausência, seu jeito algébrico de encarar o amor. Sexo só por esporte, com
camisinha, depois de duas taças de vinho, na quarta-feira à noite. E só, só
isso. Ele a ama demais, mas não toca nesse assunto por medo de perder o amor
que alimenta, e pelo futuro incerto que tudo pode mudar. Ela não o ama porque
estas coisa s do amor não a
interessam. Ela gosta de arquitetura mas não dá bola para literatura,
romance, poesia. O casal não tem bichos, nem mesmo um gato. Ela não gosta. Ele
gosta, mas não discute.
Antes de saírem do apartamento pela manhã, cada
qual para o seu trabalho, ela analisa
a postura do boneco, principalmente se distribuiu bem o tom do brim com o cinto
e a camisa , o casaco, se passou a
escova que ele acha boa por ser macia e acarinha o coco. E confirma a decisão
acertada há mais de quinze anos.
Mas a mão não dá.
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